O Afeto Que Se Encerra e a Decisão do Supremo (II)

Por Marco Túlio De Rose

Publicações - 22/03/2024 às 09:22

O Afeto Que Se Encerra e a Decisão do Supremo (II)

                              Talvez possa ter passado despercebido recente decisão do Supremo Tribunal Federal (  ARE nº 1.309.642, repercussão geral, tema 1236),que determinou “nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação obrigatória de bens pode ser afastado pelas partes por escritura pública”.

 

                               Essa decisão, no entanto, é importantíssima e representa uma “virada de chave” na concepção paternalista de patrimônio familiar do Código Civil, em favor da livre determinação e da dignidade do ser humano sem barreiras de idade.

 

                               Explico: pelo Código Civil vigente, o casamento de pessoas maiores de 70 anos obrigatoriamente era feito pelo regime de separação de bens, independente da vontade do titular do patrimônio. Ou seja, presumia-se que o idoso, a partir dos 70 anos, não tinha mais direito ao direito de livremente dispor do seu patrimônio, por ter... 70 anos.

 

                               Concepção velha de um século, datava do Código Civil de 1916, de um tempo em que o septuagenário era praticamente sinônimo de senil e o patrimônio, dentro de uma concepção rural de patrimônio, era concebido como elemento integrante da família até então constituída.

 

                               Tais concepções, facilmente concluímos, não são hoje consensuais e quiçá nem majoritárias. A Medicina e as novas concepções de saúde afastam a identificação do septuagenário com o “caduco”. Um Ministro do Supremo, por exemplo, pode, até seus 75 anos, decidir o que determina a Constituição para todos os brasileiros, mas não podia casar livremente dispondo do regime de seus bens. As pessoas, ao longo da vida, fazem e desfazem várias relações familiares, sem que se deva necessariamente proteger uma, em detrimento da outra.

 

                               Não se diga que a decisão não contém riscos de dilapidação patrimonial, tanto quanto à proteção patrimonial à família do idoso também poderia consagrar recompensas a familiares desamorosos. O que o Supremo diz é que a decisão, nestes casos, fica melhor na esfera individual do idoso, do que numa concepção abstrata e superada de proteção de um determinado grupo familiar, com abstração absoluta da livre vontade daquele.