Brasil condenado por racismo na Corte Interamericana
Por Marco Túlio De Rose
25/07/2025 às 10:48


O Brasil foi omisso na investigação de uma denúncia de discriminação racial no âmbito do trabalho e falhou em dar resposta judicial adequada, disse a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Em sentença divulgada em março deste ano e só agora inteiramente divulgada, o Tribunal entendeu que atos e falhas das autoridades judiciárias brasileiras a reproduzir o racismo estrutural[1] durante o processo na Justiça. Foi a primeira vez em que um processo sobre o tema chegou à Corte IDH.
O Caso
Em março de 1998, duas mulheres negras, tentaram se candidatar a vagas de pesquisadoras numa companhia de seguros, em São Paulo. Ao chegarem à sede da empresa, o recrutador se recusou a entrevistá-las e se negou a fornecer um formulário de inscrição, alegando que todas as vagas para o cago “já tinham sido ocupadas”.
Na tarde do mesmo dia, uma amiga branca das vítimas, candidatou-se ao mesmo cargo e foi contratada de imediato. À época, o recrutador disse a ela que havia muitas vagas e pediu que, caso conhecesse “mais pessoas como ela”, divulgasse o processo seletivo.
Ao ouvir a informação, uma das mulheres negras anteriormente preterida voltou à empresa e, entrevistada por outro recrutador, preencheu o formulário de interesse e a promessa de futuro contato sobre o resultado, o que nunca aconteceu.
Ambas tinham a mesma escolaridade e experiência como pesquisadoras da amiga contratada, tendo inclusive trabalhado juntas.
As preteridas apresentaram denúncia em agosto do mesmo ano, sendo aberta uma investigação do crime de racismo contra apenas o primeiro recrutador, a qual acabou sendo arquivada por falta de provas “de que teria agido por discriminação racial”. Houve recurso e o recrutador condenado a dois anos de reclusão, mas a pena declarada prescrita, não obstante a Constituição considere o crime de racismo imprescritível, o que foi alegado pelo Ministério Público, em recurso contra a aplicação no caso da prescrição. O Tribunal de Justiça de São Paulo, todavia, em 2005, 27 anos depois, absolveu o pesquisador por “insuficiência de provas”. Houve recurso à Corte Interamericana
Reconhecimento Parcial Insuficiente
Uma das vítimas, depondo na Corte, disse, resumidamente:
“Foi como se a Justiça tivesse dito para mim que podem me tratar com racismo, que podem me tratar mal, não tem problema. (...) Eu saí do escritório com a notícia e falei: eu não quero mais voltar aqui, não quero mais ouvir isso, não quero mais viver isso. Eu também parei de procurar empregos de pesquisadora ou empregos em que a minha aparência fosse importante. Eu fui trabalhar com minha mãe, de empregada doméstica, porque como empregada doméstica você não precisa falar, sua aparência não é importante".
O Brasil realizou um reconhecimento parcial de responsabilidade à época pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial devido ao não processamento célere da apelação interposta pelas vítimas e o indevido reconhecimento da prescrição do crime de racismo.
A Condenação
A admissão parcial não foi considerada suficiente pela Corte, que entendeu terem as autoridades judiciárias brasileiras transferido para as vítimas a responsabilidade na produção das provas, isentando-se de esclarecer o caso de discriminação. Julgou também o Tribunal que houve falha do Ministério Público na interposição do recurso, sendo que essas omissões geraram impacto profundo no acesso à Justiça em condições de igualdade para vítimas em um contexto de discriminação racial estrutural e de racismo institucional, acrescentou a Corte.
Na sentença, a Corte ordenou que o Brasil realize um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional e pedido público de desculpas. Além disso, o Estado deve adotar protocolos de investigação e julgamento para crimes de racismo e incluir nos currículos de formação permanente dos funcionários do Poder Judiciário e do Ministério Público do Estado de São Paulo um conteúdo específico sobre discriminação racial direta e indireta. Determinou, também, que o Brasil adote as medidas necessárias para que aqueles que exercem funções no Poder Judiciário notifiquem o Ministério Público do Trabalho sobre supostos atos de discriminação racial no trabalho.
Produziram a sentença juízes da Costa Rica, Colômbia, México, Uruguai, Argentina e Chile. Rodrigo Mudrovitsch, vice-presidente da Corte, não participou da deliberação, por ser de nacionalidade brasileira, o que é proibido pelo regulamento do Tribunal
(informações baseadas em notícia publicada por Elisa Martins, no Informativo Jota).
[1] Grosso modo, o racismo estrutural é um sistema de discriminação racial enraizado nas instituições e práticas de uma sociedade que perpetua a desigualdade racial existente.