Crimes contra a humanidade: resquícios da ditadura não brotam mais frutos
31/08/2021 às 13:01
Por: Mariana Ribeiro
Em decisão histórica, proferida pelo juiz Sílvio César Arouck Gemaque, a 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo reconheceu como crime contra a humanidade as violações praticadas por agentes da Ditadura Militar no Brasil – período de 1964 a 1985. Sem precedentes judiciais, a sentença é um marco na luta pelos Direitos Humanos e pode ser o início do fim de uma narrativa de impunidade que paira sobre casos semelhantes.
A decisão foge à regra das demais ações penais sobre o regime militar, que em sua maioria continuam paralisadas ou sem condenação. O caso que ilustra é de Edgar de Aquino Duarte, ex-fuzileiro naval e ex-militante político que havia deixado grupos de oposição à ditadura quando retornou do exílio. Mesmo assim, em 1971, ao ter o nome citado em depoimento de um agente infiltrado, foi mais um dos presos políticos levados à força, “sem lenço e sem documento”, para nunca mais voltar.
A operação era comandada por Carlos Alberto Brilhante Ustra, Carlos Alberto Augusto e Alcides Singillo. O crime de sequestro foi enquadrado como equivalente ao crime de desaparecimento forçado, e, com base nos precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), foi incluído no rol de crimes contra a humanidade que o Estado brasileiro deve investigar e, eventualmente, promover a persecução e julgar. Desta forma, os atos não podem ser considerados prescritos e não podem ser perdoados pela Lei da Anistia, de 1979.
O enfoque processual e jurídico rompe com a tradição das Forças Armadas de se isentarem da responsabilidade sobre as violações gravíssimas ocorridas na ditadura. Por meio dos trâmites legais, solicitando requisição de documentos, provas técnicas e testemunhais e principalmente com novas análises sob a ótica da justiça, o solo para semear resquícios ditatoriais se torna cada vez mais infértil.
Mais que uma decisão favorável à História, o caso Edgar de Aquino consolida os preceitos trazidos pela Constituição de 1988 e incorpora um conceito do Direito Internacional dos Direitos Humanos no constitucionalismo brasileiro. Além disso, a sentença valoriza o incessante trabalho de Comissões da Verdade e da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, somando esforços do Ministério Público Federal no âmbito do Grupo de Trabalho sobre Justiça de Transição.