O Afeto Que Se Encerra e a Decisão do Supremo (I)

Por Cássio Vione

Publicações - 22/03/2024 às 09:14

O Afeto Que Se Encerra e a Decisão do Supremo (I)

          Quem jamais ouviu comentários do tipo, “ah, aquele(a) casou-se com fulana(o) para dar o ‘golpe do baú’”; ou “ele(a) tem idade para ser filho(a) dele(a)”, ao se referirem a casamentos ou uniões estáveis envolvendo pessoas com grande diferença de idade, quase sempre idosos com mais de 65 ou 70 anos de idade?

 

          Parece que esse senso comum, absolutamente cheio de preconceito e etarismo, não passou despercebido pela mais alta Corte do país que, levando em conta a mais moderna concepção do princípio da dignidade humana, decidiu, em julgamento com efeitos vinculantes[1], que “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação obrigatória de bens pode ser afastado pelas partes por escritura pública”.

 

          Ou seja, o STF entendeu que o fato de um dos noivos contar com mais de 70 anos não significa que o mesmo não tenha discernimento para decidir acerca do regime de bens que entender mais adequado ao seu futuro. Tal decisão é um marco na Jurisprudência envolvendo as questões de Direito de Família, pois muda uma concepção antiga presente não apenas no Código Civil em vigor desde 2002, mas também na codificação anterior, que visava “proteger” o patrimônio de pessoas idosas, não obstante houvesse na legislação, desde então, brechas para que a incidência do dispositivo legal fosse evitada, como por exemplo a elaboração de testamentos, doações ou até a criação das chamadas “holdings familiares”.

 

          A bem da verdade, o que o STF consignou é que, numa visão constitucional e atual das questões envolvendo os direitos das famílias, entender que apenas pelo fato de ter determinada idade, uma pessoa não teria discernimento para decidir sobre seus bens, não condiz com a mais moderna concepção do princípio da autonomia da vontade e dignidade da pessoa humana.

 

         De fato, o dispositivo declarado inconstitucional pelo STF não condiz com a realidade da grande e maior parte da população, que cada vez mais entende que a idade não passa de um número não condizente, muitas vezes, com o espírito e a cabeça de seu detentor. Mais do que isso, de certa forma, privilegia o interesse de pais que, por vezes, podem optar não deixar bens a filhos que os abandonam ou demonstram nitidamente o único interesse patrimonial para manutenção do vínculo, quando podem passar anos ao lado de um companheiro(a) que se torne merecedor daquilo que eventualmente, inclusive, pode ter contribuído para sua construção.

 

          Ao fim e ao cabo, prevaleceu o bom senso. Se uma pessoa idosa pode dispor de bens de tantas formas, como doação, venda, testamento, por que razão deverá ser obrigada a separar os bens daqueles que eventualmente possam merecer justamente o contrário?

 


[1] ARE nº 1.309.642, repercussão geral, tema 1236.