Isto É do Seu Interesse
Por Marco Túlio De Rose
25/02/2025 às 09:27

A Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Rio Grande do Sul, promove uma campanha em defesa da sustentação oral em tempo real. A matéria parece interessar somente advogados, mas as aparências enganam e é isto que este artigo pretende explicar.
Salvo casos excepcionais, a representação dos cidadãos junto ao Judiciário é realizada por advogados. Esses, tradicionalmente, além de suas razões escritas, na abertura dos julgamentos realizam defesa verbal, a chamada “sustentação oral”. Ao longo de 15min, desafiam conhecimento e oratória para demonstrar as razões de seus clientes e as desrazões de seus adversários.
Esta técnica de defesa dos interesses dos cidadãos que batem nas portas da Justiça talvez fosse, no passado, remate de um trabalho judicial que poderia ser bem-sucedido sem necessidade deste clímax defensivo. Antes, os processos normalmente contavam com um relator, que os lia por inteiro, um revisor, que fazia o mesmo e um ou mais vogais que recebiam, por cordialidade, também para ler, antes do julgamento, suas peças, dependendo da relevância, ou mesmo da característica intrincada da questão a ser resolvida.
Hoje é diferente. O estúpido acúmulo dos processos eliminou o juiz revisor e muitas vezes o próprio relator desconhece os componentes do processo que lhe foram resumidos por um assessor (logo adiante um robô). Neste sentido, a defesa oral serve para chamar atenção de pontos que podem surpreender os próprios magistrados, levando a uma melhor reflexão sobre a matéria que está em Juízo. Claro que para isto surtir efeito, qual seja, a amplitude do direito constitucional de defesa, a defesa oral deve ser simultânea ao julgamento.
Sucede, e aí a luta do Conselho gaúcho, que o Supremo Tribunal criou a chamada sustentação assíncrona, quer dizer, aquela que o advogado manda gravada para o Tribunal e os juízes a ouvem, se a ouvem, onde e quando querem. Essa supressão da eficácia maior de uma arma de defesa conta agora com um agravante, qual seja a possibilidade do que era exceção tornar-se regra, em todos os tribunais do País, praticamente terminando com a sustentação oral síncrona, qual seja aquela que vale, pois feita diante dos magistrados, na hora da verdade do julgamento.
O que era indispensável hoje, pode ser logo adiante transformado em expediente de discutível serventia, retirando dos advogados uma possibilidade real de defesa dos interesses que lhe são, pelos cidadãos, confiados, dado que aqueles são os interlocutores que a Constituição reconhece, para estes, quando se dirigem a um dos Poderes que regem o Estado.
Muitos que acompanham este artigo podem estar pensando que o problema é sério, mas é só dos advogados. Pois quem pensa assim comete duplo engano.
O primeiro, já falado, é a desqualificação da defesa dos interesses que são deduzidos nos litígios judiciários. Todos sabem, sem que seja novidade, que nos cidadãos bem formados o apelo a essas vias é o último recurso após a utilização de outros, quiçá mais expeditos, de fazer alguém ver valer suas razões. Se, além da demora natural para o número de processos que chegam aos tribunais, podem saber que seus fundamentos serão aleatoriamente ouvidos, certamente preferirão abandonar esse campo de luta e desperdiçar seus direitos, o que é sempre lamentável numa sociedade democrática.
O segundo, que parece pior, é a perda que o refluxo das defesas deverá causar nos tribunais brasileiros, dado que este é um dado da realidade, a renovação da mentalidade dos pretórios parte da argumentação dos advogados junto a eles. Congestionada essa via, a jurisprudência não se renova, ficando estagnada ou, pior, regredindo.
Há, e é indiscutível, uma tendência judicial a sair da realidade. Esta, a mais das vezes, entra nas salas forenses pela voz dos advogados. Impedir que ela exista, quando as atenções estão concentradas, significa, antes de mais nada, obstaculizar a novidade e, igualmente, fechar cada magistrado nas suas próprias convicções, levando ao desprezo a chamada colegialidade, que é a discussão conjunta das causas a serem sentenciadas. Arrisca-se de ter uma justiça envelhecida e com julgadores fechados em si mesmo.
A iniciativa certamente é intencionada pelo esforço da celeridade, afã que atravessa o Judiciário brasileiro do Oiapoque ao Chuí. O expediente utilizado, contudo, significa jogar a água servida do banho da criança junto com a própria criança, fora da banheira.