Abusividade hospitalar com BRASÍNDICE é cerceada
11/06/2025 às 10:27

Comentário: trata-se de um caso raro, no qual os fundamentos da sentença não mereceram recurso do hospital réu, tendo ela transitado em julgado.
Operadora teve seu pedido de utilização de medicamento genérico ignorado pelo Hospital para atendimento em beneficiário. O Hospital, em face dessa manifestação, quis cobrar diretamente do beneficiário o valor do medicamento, apresentando uma cobrança extraordinariamente exagerada, baseada no BRASÍNDICE.
A Operadora demonstrou que o hospital adquirira o medicamento por um preço três vezes menos que o cobrado, E o Hospital simplesmente alegou ter utilizado o BRASÍNDICE.
A sentença entendeu inaplicável o índice CMED e condenou o Hospital a cobrar da operadora o preço que o último convencionara de outra Operadora do mesmo grupo que a primeira, razoavelmente superior ao valor praticado no varejo para adquirir esse medicamento.
Trata-se de vitória muito importante para deter a voracidade hospitalar na aplicação do BRASINDICE de modo abusivo, sem correspondência com o real custo do medicamento.
O Escritório De Rose funcionou na defesa da Operadora, tendo os sócios Cassio Vione e Marco Túlio de Rose feito o pedido de anulação da cobrarnça, sendo o processo conduzido até o final por Cássio Vione.
PROCEDIMENTO COMUM Nº 5013582-04.2022.4.04.7100/RS
Justiça Federal do Rio Grande do Sul
SENTENÇA
Trata-se de ação de procedimento comum, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada por Operadora xxxxxxxxxxxxxxx contra o Hospital.........................., em que pretende obter provimento judicial que reduza o valor da cobrança promovida pelo réu, devendo ficar limitada apenas ao montante das faturas de compra do medicamento, com o acréscimo de correção monetária.
Narrou que, em outubro de 2021, a beneficiária de seu plano de saúde ...... foi internada para tratamento no Hospital ............................, tendo sido solicitada cobertura para utilizar o medicamento Anfotericina Lipossomal. Disse que, instada pela Operadora a analisar o pedido, prontamente autorizou o procedimento, apenas indagando sobre a possibilidade de utilização de medicamento genérico, tal como autoriza a legislação que rege os planos de saúde. Alegou, todavia, que a mensagem foi recebida como se negativa de cobertura fosse, tendo a Operadora informado ao réu que não seria autorizada a cobertura. Relatou que, após a alta, o Hospital passou a cobrar diretamente da paciente o valor de R$ 231.797,24, correspondente a 69 frascos do mencionado medicamento. Afirmou ter entrado em contato com o Hospital para quitar o débito, equivocadamente gerado em nome da paciente, sem êxito, contudo, uma vez que o réu pretende receber os valores em caráter particular e pelo preço máximo ao consumidor. Asseverou ser sua a responsabilidade pelo pagamento, razão pela qual pretende sustar os efeitos da mora sobre a dívida cobrada da referida beneficiária, bem como revisar o valor do medicamento, por estar em desacordo com as normas de distribuição e comercialização nos hospitais, conforme regulamentação da matéria editada pela CMED. Juntou documentos e recolheu custas.
Citado, o Hospital apresentou contestação. Defendeu a legalidade do valor cobrado já que houve negativa de cobertura pelo plano de saúde. Disse que não está vinculada a resoluções da CMED que estabelecem apenas orientações, as quais não podem limitar a sua atividade econômica. Referiu que utilizou o BRASINDICE, não tendo precificado o produto de forma aleatória. Requereu o benefício da gratuidade da justiça. Por fim, postulou a improcedência da demanda.
É o breve relatório. Decido.
No caso dos autos, a controvérsia cinge-se ao valor cobrado pelo Hospital pela aquisição do medicamento fornecido à paciente que ficou internada na instituição hospitalar (69 frascos de anfotericina b complexo lipídico 100mg).
O documento anexado à inicial comprova que não houve negativa de cobertura pela Operadorfa (evento 1 - out7), contrariamente ao que foi alegado pelo réu.
A medicação utilizada pela paciente beneficiária do plano de saúde foi adquirida pelo valor de R$ 1.090,00 e foi repassado ao consumidor o custo de R$ 3.319,96. Vê-se que a instituição hospitalar aplicou o preço máximo ao consumidor (PMC).
No entanto, essa prática se revela abusiva.
Registre-se que a CMED possui competência legal para regular a matéria, envolvendo todos aqueles que comercializem medicamentos, nos termos da Lei nº 10.742/03, conforme segue:
Art. 6Q Compete à CMED, dentre outros atos necessários à consecução dos objetivos a que se
destina esta Lei:
- definir diretrizes e procedimentos relativos à regulação econômica do
mercado de medicamentos;
- estabelecer critérios para fixação e ajuste de preços de medicamentos;
- definir, com clareza, os critérios para afixação dos preços dos produtos novos e novas
apresentações de medicamentos, nos termos do art. 7Q;
- decidir pela exclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos
farmacêuticos da incidência de critérios de estabelecimento ou ajuste de preços,
bem como decidir pela eventual reinclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e
produtos farmacêuticos à incidência de critérios de determinação ou ajuste de preços,
nos termos desta Lei;
- estabelecer critérios para fixação de margens de comercialização de medicamentos a serem
observados pelos representantes, distribuidores, farmácias e drogarias, inclusive das margens de
farmácias voltadas especificamente ao atendimento privativo de unidade hmpitalar ou de qualquer
outra equivalente de assistência médica;
Dessa forma, considerando que o réu atuou na compra e venda de medicamento, conclui-se que está sim abrangido pelas normas editadas por aquele órgão.
A atividade fim do Hospital não é a de obter lucro com a comercialização de medicamentos, motivo pelo qual se mostra abusivo o valor repassado à paciente e depois ao plano de saúde, que assumiu a responsabilidade pelo pagamento (evento 1 - outl4).
A Resolução nº 03/2009 da CMED proíbe a aplicação do PMC a medicamentos de uso restrito a hospitais (evento 1 - outl5).
Além disso, jurisprudência do TRF4 reconhece a legalidade da atuação regulatória da CMED:
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. PODER REGULAMENTAR. RESOLUÇÃO CMED Nº 02/2018. LEI Nº 10.742/2003. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE E DE ILEGALIDADE. LIBERAÇÃO DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS MINISTRADOS NOS NOSOCÔMIOS E CONGÊNERES. ILEGALIDADE. LIMITAÇÃO DE PREÇOS. POSSIBILIDADE.
A Resolução CMED nº 02/2018 foi editada com base na Lei nº 10.742/2003,
que define normas de regulação para o setor farmacêutico, cujos artigos 2° e 3º determinam,
expressamente, sua aplicação a farmácias de unidades hospitalares,
de modo que igualmente se aplicam às farmácias de hospitais filantrópicos,
conforme é o caso dos autos.
Pretende a parte autora obter a liberdade para a fixação dos preços incidentes
sobre medicamentos fornecidos aos pacientes internados ou atendidos
nos nosocômios representados, de forma que fosse observado
a cobertura das despesas com aquisição, transporte, armazenagem, manuseio,
manipulação, unitarização e rastreabilidade dos medicamentos. contudo,
a lei nº 10.742/2003 é categórica ao prever que o comércio de medicamentos
no país está sujeito à regulação que estabelece limites de precificação.
A norma impugnada pretendeu afastar a imposição de sobrepreços aos medicamentos
fornecidos a pacientes internados ou atendidos nos nosocômios, uma vez que,
tratando-se de instituições que prestam serviços médico-hospitalares,
o fornecimento de medicamento aos pacientes corresponde à parcela
intrínseca de sua atividade, de forma que não é possível conceber a
prestação desses serviços de forma dissociada da ministração de medicamentos,
ao passo que, nas farmácias e drogarias, essa venda é feita de forma autônoma,
como parte do objeto social da sociedade.
Não merece prosperar a alegação de que a previsão de infrações
na Resolução CMED nº 02/2018 violaria o princípio da legalidade.
Isso porque o artigo 8º da lei nº 10.742/2003 assevera que o descumprimento de
atos emanados pela CMED, no exercício de suas competências de regulação e
monitoramento do mercado de medicamentos, bem como o descumprimento
de norma prevista na referida lei, sujeitam-se às anções administrativas
previstas no artigo 56 da lei nº 8.078/1990. uma vez descumprido algum comando
contido na Resolução CMED nº 02/2018 devem ser aplicadas sanções
contidas no art. 56 da lei nº 8.078/1990, de modo que se depreende
que a CMED agiu dentro das atribuições por lei a ela atribuídas, não havendo
qualquer ilegalidade nesse ponto.
Assim, não se verifica motivo para suspender o parágrafo único do artigo 1°,
e Inciso l alínea "d"; inciso IL línea "c’’. e§ 2º do art. 5º da Resolição
nº 02/2018 da CÂMARA DE REGULAÇÃO DO MERCADO DE
MEDICAMENTOS - CMED, porquanto ausente a alegada inconstitucionalidade
e ilegalidade da norma, sendo certo que esta permanece alicerçada nos
limites da Constituição Federal e da lei nº 10.742/2003, razão pela qual
não resta demonstrada a plausibilidade jurídica do pedido.
(AC 5065398-64.2018.404.7100,
Rel. Des. Luís Alberto Aurvale, 22/02/2022)
Conforme referiu o réu em sua contestação (evento 14 - contes!, p. 2), o HCPA possui o valor ajustado com a Operadora para esse medicamento específico pelo preço unitário de R$ 1.667,50, valor esse não impugnado pela parte-autora na réplica.
A testemunha P. M. ( evento 37 - video6) também confirmou em seu depoimento que na época era esse o valor previsto no contrato de outra Operadora, do mesmo Grupo com o Hospital para o medicamento em questão.
Dessa modo, em respeito ao ato jurídico perfeito e ao princ1p10 da força obrigatória dos contratos, a cobrança em tela deve se pautar pelo referido valor já ajustado contratualmente entre as partes ora litigantes.
Assim sendo, o valor do débito da autora perfaz R$ 115.057,50 (69 x 1.667,50) com o acréscimo de correção monetária pelo IPCA-E, índice oficial do IBGE, desde a data da emissão da nota fiscal pelo hospital.
Neste contexto, uma vez verificada a ilegalidade da cobrança promovida pelo Hospital, impõe-se a parcial procedência da demanda, já que a pretensão da autora era de pagar apenas o valor de compra do medicamento.
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação para fixar o débito em R$ 115.057,50 (o valor cobrado era o dobro, R$ 231.797,24).....)