O (SUPOSTO) “ERRO MÉDICO”
Por Bernardo Franke Dahinten
25/07/2025 às 11:45


Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam existir uma tendência de crescimento de processos judiciais envolvendo suposta falha na prestação de serviço médico – hospitalar, aqueles processos que, há até pouco tempo, eram denominados como de (suposto) erro médico.
O aumento dos processos judiciais dessa natureza evidencia um problema que não é exclusivamente brasileiro. Há estudos americanos que estimam, por exemplo, que o “erro assistencial” pode representar algo em torno de 400 mil óbitos por ano nos EUA, o que equivaleria a impressionantes mais de 1000 casos por dia.
A preocupação com essa matéria é global. Tanto é verdade que a segurança do paciente foi mundialmente eleita como uma prioridade fundamental pela 72ª Assembleia Mundial da Saúde, em 2019. Na ocasião, foi instituído, inclusive, o Dia Mundial da Segurança do Paciente (World Patient Safety Day), desde então celebrado, anualmente, no dia 17 de setembro.
Embora “eventos adversos” (conceito amplo e que engloba muitas situações, inclusive de “erro médico”) sejam uma realidade mundial, é um conjunto de fatores que gera tantas e cada vez mais demandas judiciais no Brasil. Um desses fatores, sem dúvida, é o fácil deferimento, aos demandantes, da assistência judiciaria gratuita – benefício processual que permite alguém ajuizar uma ação sem ter que pagar custas e sem ter que correr o risco de pagar honorários para o advogado da outra parte em caso de derrota.
Outro fator são os atrativos valores de condenação a que podem ser condenados a pagar médicos, hospitais e operadoras de planos de saúde, o que faz com que as pessoas se sintam verdadeiramente estimuladas a ingressar em juízo.
Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça entende, por exemplo, que o óbito decorrente de falha gera direito a indenização por danos morais entre 300 a 500 salários-mínimos para cada legitimado (AgInt no AREsp 2327835/SP, julgado em 01/07/2024). Para um outro caso, também julgado em 2024, envolvendo parto que causou encefalopatia ao recém-nascido, só a título de danos morais, foi atribuída condenação no valor de R$ 1.000.000,00, sem contar uma pensão mensal vitalícia de mais de R$ 8.000,00 (AgInt no REsp 1951126/DF, julgado em 11/06/2024).
Esses são apenas exemplos de como as condenações em processos judiciais dessa natureza podem alcançar cifras altíssimas.
Nesse contexto, cabem aos profissionais médicos e às instituições de saúde se municiarem. A verdade é que processos judiciais alegando a ocorrência de supostas falhas na prestação de serviço são plenamente defensáveis, especialmente quando os profissionais e as instituições tomaram as devidas cautelas. Complicações, intercorrências e mortes em hospitais e serviços assistenciais fazem parte da rotina e, na grandiosíssima maioria das vezes, refletem uma consequência natural, sem qualquer relação com erro ou falhas de qualquer gênero. Afinal, muitas patologias são incuráveis; alguns pacientes chegam nos serviços em estados graves e gravíssimos; tratamentos dependem de diversos fatores (inclusive da capacidade do organismo de cada um); a Medicina tem limitações. Fato é que as ocorrências não previstas, as complicações e o insucesso de tratamentos e procedimentos fazem parte do dia a dia dos médicos e hospitais.
Não é por outro motivo que a obrigação do profissional médico é, salvo raras exceções, de meio. Ou seja, o profissional (e a instituição onde o serviço foi prestado) se isenta de eventual caracterização de falha desde que mostre que, nas circunstâncias do caso concreto, fez o que lhe cabia fazer, de acordo com a Literatura e com as melhores práticas estabelecidas. Para efeitos da configuração da responsabilidade civil (e do decorrente dever de indenizar), é irrelevante se o paciente foi ou não curado. O importante, nesses casos, é que o médico e a instituição demonstrem e provem que o serviço foi adequadamente prestado. O êxito desse tipo de defesa dependerá inexoravelmente de o prontuário estar adequadamente preenchido, da existência dos demais documentos médicos (como termo de consentimento devidamente assinado) e um assessoramento jurídico especializado.