Elmar Bones sela seu nome na história do jornalismo gaúcho com mais de 60 anos de histórias regadas a desafios, conquistas e muitos prêmios
Por Clarice Ledur
07/10/2025 às 11:37
Em uma segunda-feira, pela manhã, eu entrava na sede da ARI, no centro histórico, para uma conversa com um dos clientes da De Rose Advogados, o jornalista Elmar Bones, na sala que ocupa nas instalações da tradicional entidade do Estado. Foram mais de três horas de bate papo, permeadas por muitas histórias e pela descoberta de uma trajetória, literalmente, repleta de sucessos e desafios.
Elmar Bones, hoje com 81 anos, é peça importante no cenário do jornalismo, não apenas no Rio Grande do Sul, mas também em âmbito nacional, tendo conduzido editorias dos mais representativos e renomados jornais e revistas, legando ao mercado inúmeros prêmios de jornalismo que sublinham o reconhecimento por uma vida inteira dedicada à profissão, pautada pelo compromisso de levar informação e conteúdo relevantes à sociedade, ecoando suas crenças na força do jornalismo praticado com seriedade e verdade.
A principal entidade que representa o setor no Rio Grande do Sul é quase centenária. Fundada em 1935, a Associação Riograndense de Imprensa carrega tradição, percebida na altivez do prédio que a abriga, na Avenida Borges de Medeiros e em suas instalações. A sala que Elmar ocupa, no segundo andar, é grande e repleta de papéis, jornais e revistas que tomam conta do espaço, simbolizando um memorial de fatos e dados preservados no tempo. “Eu sou desorganizado, mas é assim que eu me encontro”, diz ele, ao liberar uma parte da mesa para ficarmos frente a frente, iniciando a conversa, mediada pelo chimarrão que o acompanhou durante todas as horas em que lá estive.
Elmar não esconde a idade, embora represente bem menos, talvez pelo próprio perfil inquieto, como se estivesse sempre à busca de mudanças para iniciar novas jornadas vida a fora, num constante recomeço. Ele nasceu em berço pobre, em Cacequi. Com um ano de idade foi para Livramento, na fronteira gaúcha, onde seus pais firmaram residência. Aos 17 anos precisou trabalhar para ajudar nas despesas da família. O primeiro emprego foi no jornal A Plateia, principal título da região.
Como bom aluno e com ótimas notas em português, sempre apreciou a leitura. Os jornais eram devorados para poder traduzir as notícias para o avô, que não sabia ler.
Escalada inicial
A vaga inicial era para o balcão de anúncios, mas imediatamente Elmar passou a alterar os textos padronizados, visando uma leitura mais clara e objetiva. “Anteriormente, tinha feito um curso de datilografia, foi o que me salvou”. A atenção da chefia não tardou. “Quer trabalhar à noite na revisão?” A vaga caiu como uma luva. “Fiquei um ano e meio. A revisão, ficava dentro da oficina, onde eu permanecia até de madrugada, esperando a rodagem do jornal para levá-lo para casa”.
Estudar na Capital era o sonho da juventude interiorana da época. Elmar pensava no vestibular, ora engenharia, ora arquitetura. Mas a experiência na A Plateia foi decisiva na opção pelo jornalismo, ingressando na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A inquietação o levou a assumir, ainda no primeiro ano da faculdade, a vaga de assessor de imprensa do Instituto dos Arquitetos do Brasil. “Foi meu primeiro trabalho em Porto Alegre”.
Ele recorda do amigo já falecido, jornalista e publicitário premiado, Laerte Martins, fundador de uma das agências de propaganda que marcaram época no RS, a Martins & Andrade Propaganda. Próximo ao jornalista e presidente da ARI, Alberto André, o publicitário, que também presidia o clube de estudantes de jornalismo, conseguiu que a entidade, com sua força, influenciasse os principais jornais do Estado a aceitarem estagiários em suas redações, o que foi decisivo para outra conquista de Elmar - uma vaga na redação da Folha da Tarde. O veículo integrava o Grupo Caldas Júnior, que liderava o jornalismo impresso no Estado com os títulos Correio do Povo, Folha da Tarde e Folha da Manhã, além da Rádio Guaíba. “Eram três vagas apenas, fiz um teste e passei”.
O veículo passava por mudanças, na esteira da chegada de novos editores, entre eles o visionário e já falecido Walter Galvani, que conduziu um processo de renovação no perfil da Folha da Tarde. A Caldas Júnior apoiava o Governo Militar da época, porém implantando maior abertura, ampliou sua tiragem de forma significativa, passando a vender 90 mil exemplares diários na Capital nos anos 1960/1970. “Começaram as reportagens e grandes coberturas. Eu ganhei duas páginas diárias como subeditor de educação, sob a tutela do jornalista Sérgio Tochetto. Não demorei para assumir como editor”.
Além fronteiras
Elmar detalha que, neste momento, chegou a almejar uma vaga na área de imprensa do Palácio Piratini, mas um colega o informou que a Editora Abril estava recrutando estagiários para um dos de seus próximos títulos, a Revista Veja, que iniciaria em breve sua operação no país. “Já haviam selecionado 10 jornalistas, as vagas estavam fechadas. Fui encontrar o jornalista responsável pela seleção, Salomão Amorim, que estava especialmente na Capital para esta tarefa. Ele disse que não haveria possibilidade, insisti, nos encontramos para um café da manhã no dia seguinte, antes de seu embarque para São Paulo”. Foi quando entrou na sala o já selecionado jornalista Jaime Copsteim, informando que estava renunciando ao estágio, alegando dificuldades familiares. “Foi assim que ganhei esta vaga, com um bom salário frente ao que estava sendo pago no RS”.
A vaga na Editora Abril tinha como exigência um curso de três meses para treinamento, reunindo os melhores editores de São Paulo e Rio de Janeiro. Nas manhãs eram palestras e, às tardes, a produção de conteúdo para números “zeros” da revista. “De 120 dos primeiros selecionados, ficariam apenas 60. Eu fui um deles e permaneci por quatro anos na Editora Abril. Comecei na política, com Élio Gaspari e Bernardo Kucinski”.
O passo seguinte representou total mudança de vida: ir para Curitiba montar a primeira sucursal da Veja na cidade. “Fiquei sozinho lá por dois anos e meio, até voltar para São Paulo como repórter especial, produzindo as matérias de capa para a revista”. Elmar relembra que a TV era a atração da época, despertando multidões e ganhando cada vez mais popularidade, o que motivou a Editora Abril a criar uma editoria própria para a Veja tratar do assunto. Mais uma vez ele foi o escolhido, permanecendo de segundas a quintas no Rio de Janeiro, produzindo duas páginas semanais sobre o mundo televisivo. “Mas cansei”, confessa.
De volta aos pagos
Em 1974, de volta a Porto Alegre, veio o convite para dirigir a Folha da Manhã, mas o veículo estava com seus dias contados, sofrendo pressões governamentais por sua linha editorial. Não tardou para Elmar ingressar na redação de um dos jornais que faziam história na Capital – o Coojornal, com perfil único, implantado por um grupo de jornalistas para atuar no modelo cooperativista, aberto a grandes reportagens, praticando um jornalismo mais liberal. “Fui editor por oito anos, fazendo freelancer em paralelo para a Gazeta Mercantil”. O Coojornal, acabou fechando suas portas, mas Elmar já tinha um porto seguro – a própria Gazeta Mercantil, onde permaneceu por outros 14 anos, comandando a sucursal do veículo em solo gaúcho. “O Rio Grande do Sul era representativo na receita da Gazeta”.
Mas os desafios não cessaram. Logo surgiu outra proposta: assumir a redação de outro veículo que ganhou força no Estado, a Revista Amanhã, do Grupo Plural, voltada à indústria. Em paralelo, a Gazeta Mercantil continuava a nortear a trajetória profissional de Elmar, que acenou com o convite para dirigir sua sucursal em Florianópolis. Por não se sentir muito atraído pelo estilo de vida do catarinense, Elmar retornou a Porto Alegre onde novo projeto já o aguardava, o Jornal Já, lançado por um grupo independente de empresários, tendo como mentor o historiador e professor Sérgius Gonzaga. “Era um jornal voltado aos interesses da sociedade”.
Se o cenário na época não era atrativo para o jornalismo, com o Grupo Caldas Júnior fechando e com troca de gestores dando continuidade apenas ao Correio do Povo, além da Zero Hora, passando a liderar praticamente sozinha no mercado, Elmar visualizou, através do Já, uma série de oportunidades, implantadas com sucesso. Entre elas, as grandes reportagens e a edição de jornais de bairro, atendendo a demandas específicas de público leitor e anunciante. “Era o ano de 1988 e o projeto de jornal de bairro deu muito certo. Criamos o Bom Fim, Moinhos de Vento, Petrópolis e Cidade Baixa. Passamos a produzir fascículos de diversos temas, encartados no Já, com uma linha editorial mais focada em cultura e que não dependia tanto da publicidade. Depois vieram livros e guias, jornais para entidades, tudo com muito resultado”.
Crença na verdade e na transparência
Com perfil crítico, não correspondendo aos anseios de algumas camadas empresariais e políticas, o jornal passou por um momento difícil, questionado e denunciado por seu posicionamento e linha editorial. Os jornais de bairro foram sufocados por política financeira da forte concorrência do principal jornal do Estado, que conseguia ofertar produtos semelhantes a preços irrisórios. Mesmo assim o Já permaneceu forte, mantendo o jornal Bom Fim, pioneiro e cativo junto aos seus públicos.
Desde seu nascimento o Já deixou sua marca e nome forte, permeada por histórias e ousadias. Editou, editou em sua caminhada cerca de 40 livros, muitos deles esgotados. Elmar, que teve de paralisar a atividade periódica do Jornal, permanece atuante através de projetos culturais, apoiados pela Lei de Incentivo à Cultura, mas ainda sonha tomar novos rumos. Sempre inovando, como sempre, mas sempre acreditando que jornalismo é para informar, doa a quem doa, custe o que custar. Por isso, embora muitos contratempos, já amealhou uma enorme gama de prêmios da Associação Riograndense de Imprensa. Tantos, que não sabe dizer a conta certa. Acima de tudo, é alvo de permanente admiração de várias gerações de comunicadores.