Localização de Devedores por Meio de Plataformas Digitais: Novos Rumos Jurisprudenciais e Limites Legais
Por Deborah Karlinski
04/11/2025 às 10:49
A busca por efetividade na fase de execução ainda representa um dos maiores desafios do processo civil contemporâneo. Mesmo diante de sentenças transitadas em julgado, não são raros os casos em que o devedor permanece ilocalizável, tornando inócua a prestação jurisdicional.
Nesse cenário, desponta uma decisão recente do Tribunal de Justiça de São Paulo (processo nº 0012495-64.2023.8.26.0004), que autorizou a expedição de ofícios a empresas como Uber, iFood, Amazon e Netflix para obtenção de dados cadastrais de devedores. A medida, já conta com retornos por parte de algumas plataformas, revelando o crescente uso de soluções digitais como meio de apoio à execução.
A medida tem respaldo direto no art. 139, IV, e art. 772, III, do Código de Processo Civil, que autorizam, respectivamente, a adoção de medidas executivas atípicas e a requisição de informações a terceiros. No âmbito da proteção de dados, aplica-se o art. 7º, II, da Lei nº 13.709/2018 (LGPD), que permite o tratamento de dados pessoais sem consentimento, quando necessário ao cumprimento de obrigação legal.
O pedido formulado no caso concreto partiu do esgotamento prévio dos meios tradicionais de pesquisa patrimonial — como SISBAJUD, INFOJUD e RENAJUD — sem êxito. Diante disso, foi deferida a expedição de ofícios para que as plataformas digitais informassem, quanto aos executados: (i) a existência e a data de eventual cadastro; (ii) o endereço utilizado; (iii) a forma de pagamento registrada, com indicação do nome e CPF/CNPJ do responsável; e (iv) os dados de cartão de crédito ou débito eventualmente utilizados, incluindo nome, CPF/CNPJ e endereço do titular. Essas informações foram consideradas relevantes para auxiliar na localização dos devedores e na identificação de possíveis fontes de recursos.
A resposta de algumas empresas reforça a utilidade prática da medida. Embora ainda interlocutória, a decisão se insere em um movimento jurisprudencial que reconhece o valor das plataformas digitais como fontes legítimas de dados relevantes à execução.
Em um contexto de digitalização das relações sociais e econômicas, plataformas de mobilidade, delivery e streaming passaram a concentrar informações valiosas sobre hábitos de consumo, localização e formas de pagamento. Para o credor, isso amplia as possibilidades de obtenção de dados concretos que auxiliem na localização do devedor ou de seus bens.
A depender de sua consolidação jurisprudencial, essa estratégia poderá ser replicada em outras áreas, como execuções trabalhistas, fiscais e de alimentos. Ainda assim, sua adoção exige cautela e responsabilidade.
A medida não representa ruptura, mas sim evolução coerente com os princípios do processo civil moderno, que busca conciliar efetividade com respeito às garantias processuais. Para advogados, credores e operadores do direito, trata-se de uma alternativa viável, que, aplicada com rigor técnico e responsabilidade, pode reforçar significativamente os mecanismos de execução.
Processo 0012495-64.2023.8.26.0004:
https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do;jsessionid=026E645412B69AB55215F77312382067.cpopg1?processo.codigo=04001ABSX0000&processo.foro=4&processo.numero=0012495-64.2023.8.26.0004