O divórcio como direito potestativo
Por Cássio Vione
Seções - 04/11/2025 às 11:12
Dentre as diversas formas de pôr fim a um relacionamento afetivo, o divórcio é o meio legalmente previsto, desde 1977, para acabar com a sociedade conjugal, ou casamento. A Lei nº 6.515, conhecida como a “Lei do Divórcio”, disciplina que o casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.
Passados mais de 45 anos da sua vigência e apesar de seguir em vigor, a lei tem recebido modificações importantes e interpretações diversas do Judiciário. A principal delas, aquela proferida pelo Supremo Tribunal Federal interpretando a Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010 e que afastou a necessidade de prévia separação judicial para posterior decreto de divórcio e, consequentemente, fim do casamento. A decisão da Suprema Corte (tomada sob o Tema 1053), interpretando a modificação no artigo 226 da Constituição Federal de 1988 pela referida EC, entendeu ser desnecessário aos nubentes aguardarem o prazo de um ano da data da separação judicial, ou de dois - da data da separação de fato - para postularem o divórcio, seja judicial, seja extrajudicial (neste caso, consoante faculdade prevista na Resolução CNJ nº 35/2007 e posteriores modificações).
Depois de alguma resistência por parte de doutrinadores e magistrados que ainda insistiam com o entendimento em consonância com a norma, consolidou-se na Jurisprudência o entendimento de que, efetivamente, não há necessidade de previa separação para decreto do divórcio e fim do casamento.
Até aí, tudo bem.
A questão que atualmente se impõe pelo entendimento exarado nos julgados mais recentes, no entanto, vai um pouco mais longe: decisões judiciais estão concedendo divórcios de forma liminar, ou seja, no início dos processos e sem mesmo ouvir (citar ou intimar) a parte contrária, sob o fundamento de que o direito ao divórcio é potestativo. De forma bem simples o direito potestativo é aquele que pode ser exercido por uma das partes, sem a necessidade ou consenso da outra, como por exemplo, em uma rescisão contratual.
De fato, nos parece correta a classificação do direito ao divórcio como um direito potestativo, na medida em que não se pode obrigar uma pessoa a manter-se casada ou viver com outra, quando assim não mais o deseje. O princípio da autonomia da vontade e da liberdade individual, neste caso, prevalecem de forma clara e tranquila.
Entretanto, não se pode olvidar que é condição essencial à propositura de uma demanda judicial, a pretensão resistida da parte adversa, sob pena de se caracterizar a processualmente chamada “carência de ação”. Assim, a parte que é surpreendida com o recebimento de uma intimação decretando liminarmente o divórcio sem que tenha ofertado resistência, acaba sendo não apenas surpreendida, mas penalizada com uma decisão judicial que afeta profundamente a sua vida, sem contar com a necessidade de custear advogado ou custas judiciais que poderiam ser evitadas caso a solução fosse tida extrajudicialmente e, inclusive, de forma consensual.
Somente se justificaria, portanto, a concessão de divórcio liminar, sem a oitiva da outra parte, caso o proponente comprovasse ter envidado todas as tentativas necessárias para o decreto do divórcio de forma extrajudicial sem, contudo, ter obtido êxito.
Há, portanto, necessidade de serem ponderadas tais circunstâncias antes da concessão de tutelas liminarmente, sem o preenchimento dos requisitos processuais a tanto, independentemente do direito material e potestativo eventualmente caracterizado no caso em concreto.