Marco Legal dos Seguros: notas sobre seus aspectos organizacionais
Por Luana Scheid Dahinten
04/11/2025 às 12:04
A entrada em vigor da Lei Federal n°. 15.040/2024, a denominada Nova Lei dos Seguros (ou Marco Legal dos Seguros - MLS), é iminente e, com ela, espera-se que o mercado de seguros brasileiro passe por importantes mudanças, algumas mais drásticas, outras nem tanto. A nova lei, além de impactar diversos aspectos inerentes a esses contratos, chama a atenção pela sua organização. O presente texto, longe de esgotar a matéria, tem como objetivo veicular algumas notas sobre esses aspectos organizacionais do MLS, sobretudo comparando a nova lei ao tratamento ainda hoje decorrente do Código Civil de 2002 (CC/2002).
A primeira transformação que deve ser apontada é quanto à estruturação de cada norma. O regime jurídico reservado aos seguros, conforme o CC/2002, possui três seções, uma reservada às disposições gerais (arts. 757/777), uma dedicada aos seguros de danos (arts. 778/788) e outra, aos seguros de pessoa (arts. 789/802). O MLS, por sua vez, está dividido em seis grandes capítulos: disposições gerais (arts. 1°/88), seguros de danos (arts. 89/111), seguros sobre a vida e a integridade física (arts. 112/124), seguros obrigatórios art. 125), prescrição (arts. 126/127) e disposições finais e transitórias (arts. 128/134). Evidente, portanto, que o Marco Legal dos Seguros pretende conferir um regramento mais amplo e detalhado, unificando grande parte da matéria num único corpo legal.
Outra mudança a ser destacada é quanto às classificações de seguros contempladas pela nova lei. Sabe-se que os contratos securitários se submetem a diversas classificações. Apenas para exemplificar, podem ser divididos entre seguros facultativos e obrigatórios; entre seguros individuais e coletivos; entre ramos, grupos e espécies, e daí por diante. A despeito dessas múltiplas possibilidades, o CC/2002 os dividiu apenas em dois grandes grupos, os seguros de danos (neles incluídos os seguros de responsabilidade civil) e os seguros de pessoas (cujos principais exemplos, sem qualquer dúvida, são os seguros de vida e acidentes pessoais). Seguros obrigatórios, por exemplo, eram referenciados unicamente pelo Decreto-Lei n°. 73/1996, sem, porém, qualquer menção na codificação civil, omissão suprida pela nova legislação.
O MLS, por seu turno, respeita a dupla divisão adotada pelo CC/2002, inovando, entretanto, quanto à sua nomenclatura. Os seguros de danos permanecem, mas os seguros de pessoas passam a ser denominados de seguros sobre a vida e a integridade física. Apesar dessa mudança, o que se constata da leitura das disposições positivadas nesse capítulo é que, não obstante a troca do nome, o teor das regras, em essência, permanece o mesmo. A comprovar isso, citável o novel art. 112, segundo o qual, nesses seguros, “o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com a mesma ou com diversas seguradoras”, regra absolutamente idêntica à do art. 789 do CC/2002.
Conforme dito anteriormente, diferentemente do CC/2002, em que não eram nem sequer referenciados, os seguros obrigatórios ganharam menção expressa e específica na nova lei. Estabelece o art. 125, caput, do MLS, o seguinte: “As garantias dos seguros obrigatórios terão conteúdo e valores mínimos, de modo a permitir o cumprimento de sua função social”. Digno de nota, a esse respeito, que as disposições do Decreto-Lei n°. 73/1966 acerca dos seguros obrigatórios não estão sendo revogadas pelo Marco Legal dos Seguros, podendo-se dizer o mesmo das leis esparsas regulamentadoras de seguros dessa natureza, exceto naquilo que contrariarem a nova legislação. Parece ser possível afirmar, em verdade, que o que a nova lei faz, relativamente aos seguros obrigatórios, é lhes conferir um conceito legal/positivado, sem prejuízo do regramento existente em outras normas.
Focando-se especificamente nas Disposições Gerais, pode-se igualmente perceber mudanças. Nessa parte, o MLS positiva questões e aspectos fundamentais e basilares da disciplina dos seguros, muitos dos quais, até então, restritos ao Decreto-Lei n°. 73/1966 e/ou às normas setoriais. É o que se observa, por exemplo, com os elementos dos seguros – interesse (arts. 5°/8°), risco (arts. 9°/18) e prêmio (arts. 19/23) – cada qual contemplado com uma seção própria. Acontece o mesmo, ainda apenas a título de exemplo, com o seguro estipulado em favor de terceiro (arts. 24/32), o cosseguro e o seguro cumulativo (arts. 33/35), os intervenientes (como corretores, além de prepostos e representantes das seguradoras; arts. 37/40) e os resseguros (arts. 60/65).
Ainda quanto às Disposições Gerais, também ganham tratamento legal próprio e específico as diferentes etapas existentes na vida dos contratos de seguro. Diz-se isso, pois estão topicamente reguladas as fases da formação e da duração do contrato (arts. 41/53), do sinistro (arts. 66/74), da regulação e da liquidação dos sinistros (arts. 75/88), todas contempladas com seções e regras próprias. Essas últimas, aliás, as fases do sinistro e da sua regulação, inquestionavelmente entre as mais importantes no universo dos seguros, deixam de ser disciplinadas apenas por normas regulatórias e contratuais, e ganham regramento legal.
Regras já conhecidas do mercado e da atividade securitária – como a que estipula o prazo máximo de 30 (trinta) dias para regulação do sinistro (art. 86, caput) – passam finalmente a ser reguladas pela legislação, podendo-se dizer o mesmo de questões novas – como a obrigatoriedade de, em caso de negativa de cobertura, a seguradora arrolar todos os fundamentos/motivos aplicáveis, sob pena de preclusão (art. 86, § 6°) - até então completamente inexistentes e que terão imensa relevância prática.
E por fim, não se pode deixar de mencionar, ainda que superficialmente, as mudanças atinentes aos prazos e marcos prescricionais aplicáveis. Na prática, quanto à pretensão do segurado para exigir judicialmente indenização ou capital segurado, ratifica-se o prazo prescricional de um ano, contudo, a contar da ciência da recusa expressa e motivada da seguradora (art. 126, inc. II); e quanto às pretensões de beneficiários ou terceiros prejudicados – aplicáveis nos seguros de responsabilidade civil e de vida, respectivamente, apenas para citar alguns exemplos – incide o prazo de três anos, a contar da ciência do respectivo fato gerador (art. 126, inc. III). Embora a maioria dessas regras não pareça discrepar da realidade hoje existente, há mudanças impactantes – e preocupantes - como a referente ao termo inicial aplicável à pretensão do segurado contra o segurador, que merece especial atenção.
Essas, enfim, são apenas algumas notas quanto à Lei Federal n°. 15.040/2024, cujos primeiros efeitos em breve começaram a ser sentidos. Cabe ao mercado se preparar, assim como os profissionais que nele atuam.