Presunção de Inocência
Somos de parecer - 14/10/2022 às 12:47
Por Marco Tulio De Rose
Tem aparecido com frequência a tese jurídica de que a condenação judicial, mesmo após ser reformada por outra decisão superior, afasta do que a sofreu, a presunção de inocência. O argumento foi mencionado em recente acórdão do Supremo Tribunal Federal e mereceu pronunciamento público enérgico em sentido contrário do doutor Sidney Sanches, ex-Ministro da Suprema Corte, Presidente do consagrado Instituto dos Advogados Brasileiros.
O argumento, há mais de 70 anos, encontra-se superado, dada a forte evidência de textos legais em sentido contrário, a começar pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que é peremptória: ‘todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado”, texto que se repete, de forma ainda mais enfática, na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 (“toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”).
A presunção de inocência de quem não foi considerado, ao fim de um processo culpado, ainda comparece na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem (art. 6.2., 1950); no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 14.2., 1966); na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 6º, II, 1990), na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (art. 48, 2000).
A Constituição Brasileira também a consagra, quando, no art. 5º, LVII, afirma que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, sendo que até mesmo um “bixo” de Faculdade de Direito sabe que, para efeitos jurídicos, não ser considerado culpado é sinônimo de ser inocente.
Condenações provisórias, enquanto não confirmadas por decisão transitada em julgado não afastam a presunção de inocência. O fato das decisões definitivas anularem decisões tomadas por falhas técnicas, é irrelevante para afastá-la, sempre se tendo atenção que a Declaração Universal diz que toda a pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência ENQUANTO NÃO SE PROVA SUA CULPABILIDADE, DE ACORDO COM A LEI E EM PROCESSO PÚBLICO NO QUAL SE ASSEGUREM TODAS AS GARANTIAS NECESSÁRIAS PARA SUA DEFESA.
As teorias garantistas do Direito Processual Penal, que nada mais são, nesta área, do que a repercussão dos princípios do Estado Democrático de Direito, vão mais além, estabelecendo que a presunção de inocência é um princípio norteador no sentido de coibir a prática de abusos ou arbitrariedades pelo Estado durante o processo, bem como acobertar e resguardar o direito à liberdade do imputado, direito fundamental de qualquer um de nós.
A negativa da presunção de inocência, por ser profundamente antijurídica, mereceu enérgica resposta do líder do Instituto dos Advogados Brasileiros (o candidato é inocente como todas as pessoas o são até o trânsito em julgado da decisão condenatória. Estamos falando de um princípio de natureza constitucional que é o da preservação dos direitos e garantias individuais) e rechaço do Ministro Gilmar Mendes, dentro do seu combativo estilo ( “é de conhecimento de qualquer estudante do terceiro semestre do curso de Direit: ante a ausência de sentença condenatória penal qualquer cidadão conserva, sim, o estado de inocência”).
A discussão a propósito do assunto talvez seja a evidência do mau estado de nossas letras jurídicas.