O Que Pensamos

Publicações - 23/03/2023 às 09:00

O Que Pensamos

                                  Se alguém perguntasse se todos os governos brasileiros dos últimos 30 anos, inclusive o atual, padeceram e padecem de um “pecado original” que lhes rouba a credibilidade, independente de posição política ou ideológica, uma única resposta é razoável e ela é positiva. A governança do Estado brasileiro, aí incluídos União Federal, Estados e Municípios, toda ela não tem credibilidade e não é por seus debates, nem por causa dos “ataques de nervos” do mercado especulador.  A causa é outra e é única: o Estado brasileiro contrai dívidas, agindo ilegalmente, e não devolve os valores assim saqueados, mesmo quando, ao fim de longo processo, é  condenado judicialmente a fazê-lo, ou os devolve passada quase uma geração, nos casos mais dramáticos, agora, no mínimo em quatro anos, nos casos mais simples.

 

                                      Há anos, Estados e Municípios, através de sucessivas emendas constitucionais, “empurram com a barriga” o pagamento das dívidas que contraíram por condenação judicial. Quando uma dessas emendas esgota o prazo e está na hora do pagamento, outra prorroga o prazo e assim vamos vivendo. A União Federal vinha escapando desse expediente de calote, até o ano passado, em que começou a “empurrar” suas dívidas judiciárias, alegando que era necessário fazer isto para poder manter os auxílios sociais que paga, o que fez que a Lei nesse sentido discutida passasse praticamente sem qualquer oposição razoável.

 

                                      O caos institucional daí decorrente pode ser assim resumido: o Legislativo prevê direitos sem ter a mínima noção da sustentabilidade das leis que nesse sentido promulga. O Executivo não cumpre esta Lei, gerando lesões de direitos que são debatidas na Justiça, redundando sentença do Judiciário determinando o cumprimento da Lei. O Executivo, novamente, procrastina o pagamento praticamente até a morte do credor, que passa a ser representado por herdeiros da segunda e terceira geração do lesado. A lei não é cumprida, a sentença daí decorrente tem sua execução prorrogada por novas leis e o Judiciário tem um olhar bastante complacente para tudo isto. Moral da história: o Estado brasileiro não tem credibilidade.

 

                                      Está agora no Supremo Tribunal um exemplo perfeito do que é afirmado. Fala-se da Emenda Constitucional nº 113, pela qual o Executivo pretende fixar a SELIC, taxa por ele manipulada, como critério único de correção monetária e juros para todos os tipos de débitos das pessoas governamentais.

 

                                      Vamos dar um exemplo prático do que pode ocorrer, se o Supremo entender válida essa alteração do texto constitucional, extraído de acurado artigo publicado no Informativo Consultor Jurídico, de autoria de Guilherme Benício de Castro Neto e Tomás Tavares de Alencar.

 

                                      Um precatório, atualizado de agosto de 2020 até agosto de 2021, pelo atual critério, com a aplicação do Índice de Preços

Amplos ao Consumidor (IPCA), teria um acréscimo no seu valor de 9,68%, mais os juros legais (12%). Atualizado pela SELIC, no mesmo período, teria um acréscimo simples de 3,96%!

 

                                      Esse cálculo, quando as dívidas, como costuma ocorrer, ficam distantes no tempo, demonstra-se verdadeiro assalto no bolso do cidadão, ou da empresa, que obteve uma reparação judiciária contra uma medida ilegal do Governo. Calcule-se uma dívida judiciária de R$ 1.000,00, existente de 2010, atualizada pelo IPCA, com o acréscimo de juros legais. Ao final de 2021, esta dívida ficaria em R$ 3.155,31.  Pelo cálculo perverso da Emenda, apenas R$ 1.917,00 seria devido.

 

                                      Espera-se que o Supremo, afastando a constitucionalidade desse “assalto legal”, não torne ainda mais desmoralizado o Estado brasileiro do que ele já é.