Livros Jurídicos São Para Ser Lidos? (Por Marco Tulio De Rose)

Publicações - 19/04/2023 às 11:25

Livros Jurídicos São Para Ser Lidos? (Por Marco Tulio De Rose)
O livro está em sua 23ª edição
O livro está em sua 23ª edição

                    O título pode parecer estranho, mas os operadores do Direito facilmente compreenderão o que se pretende dizer. Há livros jurídicos e há livros jurídicos. Alguns, a maioria, e falo dos que têm qualidade, são objeto de consulta, em relação a um tema específico que seja objeto de procura pelo operador. Outros, no entanto, apresentam uma visão de conjunto, do tema e da Ciência Jurídica que está por detrás dele, que merecem a degustação (para não dizer, à semelhança do saudoso Athos Gusmão Carneiro, a delibação) de cabo a rabo.

 

                   Sem dúvida o hábito desta degustação-delibação é pouco incentivado nos Cursos Jurídicos, o que é lamentável. Com isso, a mais das vezes, os estudantes e futuros juristas perdem a perspectiva mais ampla da Ciência do Direito, o que lhes estreita o horizonte e o próprio raciocínio técnico.

 

                  As obras jurídicas são momentos de uma Cultura em sentido amplo e assim são vistas em muitos países. A visão que se estabelece neste sentido permite a compreensão do fenômeno jurídico não apenas como a solução para problemas específicos do relacionamento social, o que já é muito, mas como um pilar de sustentação das sociedades civilizadas como tal, o que, sem dúvida, é muito mais.

 

                  Procurando contribuir com um modesto esforço para mudança de mentalidade, iniciamos aqui a seção “O Livro Jurídico Que Eu Li”. E começamos por um que sempre foi base para esta visão de conjunto acima abordada sobre o mundo do Direito.

 

                                                    Livros que eu Li e Recomendo (I)

                             Hermenêutica e Aplicação do Direito de Carlos Maximiliano

                  Poucos currículos foram mais ricos, no Século XX, que o de Carlos Maximiliano. Advogado, Deputado em duas Constituintes, Ministro da Justiça, Consultor Geral da República, Procurador Geral da República e Ministro do Supremo Tribunal Federal, foi dele também, em coautoria, a redação do projeto que redundou na Constituição de 1934.

 

                  Também teve várias obras, sendo seu Direito das Sucessões um clássico ainda hoje citado nos trabalhos acadêmicos e forenses, sem embargo de seus Comentários à Constituição de 1891 e o ainda hoje precioso Direito Intertemporal.

         

                   A sua grande obra, no entanto, é a que dá o título ao nosso primeiro artigo da série. A Hermenêutica originariamente publicada em 1921, ou seja, mais de cem anos atrás, está hoje na 23ª edição, podendo ser encontrada nas livrarias reais e virtuais.

                 

                  A virtude da obra está na clareza com que expõe um tema árduo e polêmico e, acima de tudo, faz isto sem sacrificar uma imensa, sem exagero do adjetivo, erudição jurídica.

 

                 Erudição não, Cultura Jurídica, esse é bem o termo, pois com base no conhecimento técnico que é facilmente depreensível de suas páginas, percebe-se aquela familiaridade daquele que, mais do que saber, sabe saber, ou seja, utiliza o conhecimento como fonte de esclarecimento e compreensão.

               

                Querem um exemplo? 

 

                Leiam essa transcrição sobre o papel do juiz e do legislador:

               “Existe entre o legislador e o juiz a mesma relação que entre o dramaturgo e o ator. Deve este atender às palavras da peça e inspirar-se no seu conteúdo; porém, se é verdadeiro artista, não se limita a uma reprodução pálida e servil: dá vida ao papel, encarna de modo particular a personagem, imprime um traço pessoal à representação, empresta às cenas um certo colorido(...). Assim o magistrado: não procede como insensível e frio aplicar mecânico de dispositivos; porém como órgão de aperfeiçoamento destes, intermediário entre a letra morta dos códigos e a vida real, apto a plasmar, com a matéria-prima da lei, uma obra de elegância moral e útil à sociedade".

 

                 Mais de um século se passou depois que essas palavras foram escritas. A Hermenêutica Jurídica tem hoje outras vertentes com forma de encarar a melhor interpretação das leis, entre elas sobressaindo o passar as normas legais pelo prisma poderoso da letra constitucional. Maximiliano tem hoje, no Brasil, colegas hermeneutas de grande gabarito, entre eles, por exemplo, o professor, também gaúcho, Lênio Streck. No entanto, se alguém tiver que começar a estudar, como se deve interpretar o Direito, o livro de Maximiliano tem a virtude de abrir um caminho de compreensão jurídica  que constitui verdadeira estrada que projeta luz sobre os recônditos desta Ciência tão fascinante quanto misteriosa.