Juiz da Paz Não É Juiz da Discriminação
Por Cássio Vione
Publicações - 20/11/2023 às 12:08

A imprensa jurídica especializada noticiou recentemente que o Tribunal Superior do Texas realizou, no último dia 25.10, audiência de sustentação oral do caso em que a juíza de paz americana, Dianne Hensley, foi advertida publicamente pela Comissão Estadual sobre Conduta Judicial por se recusar a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo, em respeito a sua fé cristã.
O inusitado do caso - a despeito do fato do processo ter sido ajuizado pela juíza frente à própria Comissão questionando a sua atuação e não se insurgindo quanto à advertência recebida - é a posição da mesma frente a algo impensável em se tratando do múnus público que exerce e a consequente imparcialidade inerente ao seu cargo.
Como nos EUA, o Brasil também conta com o chamado Juiz de Paz, com funções específicas para celebrar casamentos e validar os proclamas (ou fase pré-nupcial), onde é averiguado se os nubentes estão aptos legalmente a se casarem. Diferente dos juízes que exercem a Jurisdição pela condução de causas judiciais, o Juiz de Paz não conta com as prerrogativas inerentes à magistratura de carreira, mas exerce função pública essencial à Justiça, disciplinada pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ. É justamente aí que reside o grande celeuma gerado pela conduta da juíza americana que se negou a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo com base na sua crença religiosa.
Considerando a semelhança dos sistemas jurisdicionais de duas das maiores democracias mundiais, houvesse um juiz de paz brasileiro tido a mesma conduta, estaria o mesmo sujeito às reprimendas sofridas pela juíza americana? Não tenho dúvidas que sim. Isso porque, além de ser um país laico, o Brasil tem como princípio fundamental a igualdade e o combate à discriminação de qualquer forma, seja em razão da raça, credo ou orientação sexual, vetores da Resolução CNJ nº 175, de 2013, que vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Assim, se por um lado a Constituição garante, em seu art. 5º, que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”, por outro, “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” sem perder de vista que o art. 3º, outrossim, traz como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a promoção do bem de todos, “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
A despeito da norma do CNJ em vigor há muitos anos e que veda esse tipo de atitude, impensável, portanto, que um agente público possa se valer de sua crença pessoal para deixar de cumprir com o seu múnus, agindo de forma discriminatória em relação a assunto de grande relevância para toda sociedade e para os milhões de homossexuais que já tem garantido o direito de terem a chancela do Estado para formalização de suas uniões.
* Foto: CNJ